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"Tudo podemos obter pelo pensamento. Devemos então pensar com exatidão aquilo que realmente desejamos".
Spinoza

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Natal de ontem e de hoje


                                       Bastos Tigre
—-
Natal!  Vocábulo sonoro,
Com ressonâncias de cristal!
Amo o Natal; amo e adoro
O doce nome de “Natal”.

Ouvi-lo é ter no ouvido, ecoando
A voz dos sinos, no arraial,
Alegremente repicando
A excelsitude do Natal!

Missa do galo.  Espouca e brilha
O foguetório, a salva real…
Fulge o painel.  Que maravilha!
Jesus nasceu: — Natal!  Natal!

Ding-din!  Ding-don!  — repicam os sinos!
Vozes elevam-se em coral,
Desafinando ingênuos hinos
Em honra a Cristo e ao seu Natal.
—-
Dança, presépios, pastorinhas
No pastoril de João de tal –
E, entre vizinhos e vizinhas,
Os namoricos de Natal.
—-
Castanhas, nozes, rabanadas,
Do velho tom tradicional,
De fino açúcar polvilhadas
Tendo a doçura do Natal.
—-
E da família o quadro lindo
Da vasta mesa patriarcal
E a avó velhinha, repartindo
O imenso bolo de Natal.
—-
Mudou o Natal.  Que há que não mude
Neste vaivém universal?
Foi-se a simpleza ingênua e rude
Das idas festas de Natal.

Hoje, entre as luzes da cidade
Cosmopolita e colossal
A luz da Light a noite invade
E nem se vê vir o Natal.
—-
Há o reveillon, francês em nome,
Yankee no fundo comercial;
Faga-se quanto se consome
A preços próprios do Natal.
—-
Em vez da viola e da sanfona,
Em tom menor, sentimental,
Uma “ortofônica” ortofona
Um feroz fox infernal.

Há nos hotéis e clubs chics 
Festas de um tom convencional
Sem foguetório e sem repiques –
Que nem são festas de Natal!

Corre champagne, em vez do verde,
Do carrascão de Portugal.
(Sem o verdasco o que há de ser de
Ti, ó consoada de Natal).
—-
E até há gaitas, serpentinas,
Como se fora um carnaval!
Vocês, rapazes e meninas,
Não têm idéia do Natal!
—-
Chego a pensar que o próprio Cristo,
O de Belém, o do curral,
Lá do alto, olhando para isto,
Não reconhece o seu Natal.

E,  então, fechando a azul esfera,
Se esconde além do último “astral”
E, por castigo, delibera
Não nascer mais pelo Natal.
—-
—-
Em: Antologia poética de Bastos Tigre, vol 2, Rio de Janeiro, Francisco Alves: 1982

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